quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Heranças étinicas, Bantos e Iorubás no Estado do Rio de Janeiro

      Na virada do século XX, em consequência da abolição da escravatura e da decadência da cultura do café no Vale do paraíba, ocorreu um deslocamento expressivo dos negros Bantos daquelas fazendas para a cidade do Rio de Janeiro, em busca de trabalho para sobreviver. Destituídos de qualquer espécie de bens - durante a escravidão lhes era proibido qualquer tipo de acumulação capitalista e de poder social - chegavam por terra, pela estrada de ferro, e se localizavam nos subúrbios, tendo como núcleo a região das estações de Madureira e Dona Clara. Esses negros se distinguiam bastante dos Iorubás, negros chegados da Bahia pelo mar, ao mesmo Rio de Janeiro, cerca de 30 anos antes - por volta de 1870 - instalando-se na própria Zona do Porto e nas ruas próximas. Estes, parte de uma elite econômica e social da etnia afro-descendente, interferiam na sociedade em que foram inseridos, conhecida como Cidade Nova. O próprio fato de serem livres e poderem se deslocar de Salvador para a Corte quase duas décadas antes da promulgação da Lei Áurea, quando os de mais ainda eram escravos, já os coloca em singular superioridade social. 
      Os Bantos, ao se instalarem naquela zona do subúrbio do Rio, encontraram-na bem semelhante às fazendas de onde tinham vindo - sem saneamento básico, sem calçamento nem iluminação, transporte só por tração animal e habitações rústicas, com vacas, cabritos e cavalos pastando soltos pelos becos e vielas. Eles mesmo não alteraram os próprios hábitos: vestiam-se rusticamente e raríssimos possuíam calçados. Na palavra objetiva de Antonio Rufino dos Reis, fundador da Escola de Samba Portela, "naquele tempo, Madureira era a roça". Entre as bananeiras dos terreiros, nas noites de lua, dançavam o jongo e o caxambu, nesse tempo ainda ungidos de caráter religioso, mais tarde assimilando outras crenças de outras nações africanas, dos caboclos descendentes das tribos indígenas brasileiras, dos portugueses, dando origem a uma nova religião tipicamente carioca, chamada genericamente de macumba.
      Em contrapartida, os baianos (iorubás) moravam no centro da cidade, em casas de aluguel de vários cômodos. Vestiam-se com esmero, nos moldes do figurino europeu das classes dominantes, e sobreviviam de atividades semelhantes às dos demais imigrantes portugueses, árabes e judeus que com eles conviviam, pequenos artesãos, comerciantes ou membros das corporações urbanas que se iam constituindo, como a Repartição Geral dos Correios e Telégrafos e a Guarda Nacional, da qual foi membro Hilário Jovino, um dos seus líderes de maior relevância, grande animador cultural. Já Tia Ciata, a mais conhecida das matriarcas, possuía uma pequena empresa que dava trabalho a cerca de dez pessoas, dedicada ao comércio de alimentação e vestuário. Seu marido era funcionário da Chefatura de Polícia. Os pais do conhecido cantor e compositor João de Bahiana eram proprietários de um pequeno estabelecimento comercial. Os baianos mantinham, da forma mais autêntica possível, a religião herdada do ancestral nagô, o candomblé, com seu panteão de orixás.
      Foi esse grupo de baianos (iorubás ou Jêjes- Nagôs) o grande animador do movimento dos ranchos, que dominaram o carnaval até o final dos anos 20. A marcha-rancho, música produzida para os desfiles carnavalescos e executada por verdadeiras orquestras de sopro e cordas, representava a exteriorização do poder econômico dos componentes, muitos deles, como Pixinguinha, instrumentistas eméritos do gênero Choro, a mais importante música popular instrumental dessa terra.
      A partir do final dos anos 20, entra em cena o grupo de Madureira e adjacências (os Bantos ou Angola-Conguenses), criador do samba e das escolas de samba, grupamento carnavalesco cujas orquestras baseavam-se exclusivamente em instrumentos de percussão, em virtude da própria condição econômica e cultural, que não permitia que fosse diferente.
       

Referância bibliográfica:

Silva, Marília Trindade Barboza da Depoimentos de Grande Otelo, Haroldo Costa, Zezé Motta. Rio de Jnairo: MIS Editorial, 2003 172p. Cap. 2. Texto retirado integralmente.

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